DEPOIS DE UM ANO

Marcos Pontes
04/04/2007

- Soyuz TMA-8, todos os sistemas prontos para lançamento!
- Contagem em T-2 minutos.

Assim começou a missão que levou a bandeira do Brasil ao espaço pela primeira vez. Foram dez dias de trabalho intenso. Riscos, sofrimento, felicidade, admiração, descobertas, imagens, sons, sentimento, Brasil.
Dez dias que mudaram o nosso programa espacial. Seus projetos foram conhecidos. Sua importância estratégica foi ressaltada. Um evento histórico que mostrou a capacidade do nosso país. Abriu possibilidades para empresas brasileiras no exterior. Possibilidades de novos empregos, mais bem estar e dignidade para trabalhadores.
Nossos cientistas foram elogiados pelos países ditos desenvolvidos. Eles foram verdadeiros profissionais. Idealizaram experimentos, vibraram, construíram, testaram, analisaram, tivemos resultados definitivamente positivos. Entre esses resultados, hoje em dia, já temos qualificados, por exemplo, sistemas nacionais de controle de temperatura de satélites. Hoje sabemos mais sobre o comportamento do DNA no espaço. Hoje temos, aberto, um caminho novo para pesquisas no Brasil.
Trabalhamos também com o futuro, nossos jovens. Nenhum programa terá sucesso se não for através das pessoas. Precisamos desesperadamente de recursos humanos qualificados e motivados. Precisamos de profissionais jovens que encarem o desafio de levar a frente os anseios e os ideais da nação rumo ao espaço. Pessoas que levantem essa bandeira estratégica para o país. Hoje temos, graças à Missão Centenário criada pela Agência Espacial Brasileira, milhões de brasileirinhos motivados para assumir essa batalha. Todos aqueles que realmente têm visão e amor pelo Brasil, obviamente sabem da importância de se plantar essas sementes. Se houvesse qualquer dúvida dessa importância, bastaria comparar com os países que já fazem isso há muito mais tempo.
Santos Dumont também foi lembrado pelo mundo. Cem anos depois de seu vôo pioneiro para a aviação, a Missão Centenário foi o maior evento internacional comemorativo do seu feito.
Nesse exato momento, há exatamente um ano atrás, eu estava a bordo da Estação Espacial Internacional em órbita do Planeta Azul. Olhava de lá de cima para esta Terra tão sofrida. Contemplava a sua beleza e pensava o quanto nós, seres humanos, ainda precisamos aprender para conviver em paz com esse planeta e com as nossas próprias diferenças. Imaginava a mão do Criador, idealizador de todo esse universo maravilhoso. Ficava perplexo ao pensar que existem pessoas mesquinhas, falsas e aproveitadoras. Imaginava suas vidas compassadas por um coração amargurado e arrastadas pesadamente para um final solitário, fundo e triste. Pensava que desperdício de tempo que representam suas atitudes perante a única chance de vida dada por Deus. Lamentava por elas. Orava para que fossem iluminadas.
Olhava para estrelas cintilantes na imensidão negra. O sol nascia a cada 45 minutos no centro do arco colorido sobre a curvatura da Terra. Renascia a esperança. Há uma chance. Depende de cada um de nós. Podemos ser muito mais, humanos. Podemos aprender mais, cantar mais, viver mais, amar mais, dançar, olhar para o mar, sentir, sorrir, educar, cuidar do futuro. Podemos olhar para o céu. Podemos olhar para dentro de nós. Podemos ser felizes.


Marcos Pontes
Colunista, professor e primeiro astronauta profissional lusófono a orbitar o planeta, de família humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA).

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